“You” – O estreito limiar entre a paixão e a obsessão

“Você” é a série dos últimos tempos mais carregada de distorção a cerca de uma história de amor. Trata-se de um suspense psicológico baseado no romance homônimo escrito por Caroline Kepnes. Considerado um thriller romântico centrado em torno de um relacionamento entre duas pessoas que é levado longe demais, a série trabalha a linha entre a paixão e a obsessão.

A série “You” é descrita como uma história de amor do século 21 que deixa no ar a pergunta: O que você faria por amor? Quando um brilhante gerente de livraria Joe Goldberg (Penn Badgley) cruza caminho com uma aspirante a escritora Guinevere Beck (Elizabeth Lail) fica clara a resposta: qualquer coisa. “Nós fomos feitos um para o outro”, ele diz a si mesmo enquanto olha através das janelas de seu apartamento sem cortina dias depois de conhecê-la durante uma breve transação na livraria. Usando a internet e as mídias sociais como suas ferramentas para reunir os detalhes mais íntimos e chegar perto dela, uma paixão encantadora e desajeitada rapidamente se torna obsessão, pois ele, silenciosa e estrategicamente, remove todos os obstáculos e pessoas que cruzem o seu caminho.

No começo parece uma história normal de amor e paixão, porém com um toque de suspense psíquico, “Você’ é na realidade a história de um Stalker psicopata, emocionalmente abusivo, assassino cruel, que não se detém diante de nada até que seu objeto de desejo se torne totalmente dependente dele.

A escolha de usar a narrativa em “you” principalmente da perspectiva do agressor é muito inteligente, a série convida a todos nós para “adentrar” a mente de Joe desde o começo, mostrando como ele pode racionalizar seu comportamento horrípilante com monólogos internos que soam cada vez mais como algo que encontraríamos em livros ou contos de terror psíquico, tudo horrivelmente desconcertante por causa da facilidade com que se é, mergulhar na maneira de pensar de Joe e até simpatizar com ele. O horror toma outra direção quando inconscientemente nos tornamos cúmplice de um assassino, e essa cumplicidade desconfortável e angustiante é deliberada, já provocada pela autora do romance Caroline Kepnes, no qual “você” é baseado. Nós nos identificamos com os pensamentos e emoções de Joe porque todos nós diante da paixão incontrolada ficamos assim, obcecados e “cegos”. Todos nós sentimos que o mundo está contra nós, porém não agimos de acordo com Joe devido nosso controle de impulsos e nossa consciência moral e social.

O “monstro” retratado na série “você” é aterrorizante – e ainda mais realista – porque ela não o apresenta como um monstro. Ele é alguém que você pode conhecer num aplicativo de encontro como Tinder, alguém que segue seus posts no Instagram, alguém que simplesmente não pode aceitar um “não” como resposta num bar ou num encontro casual qualquer e que eventualmente até pode te desmerecer por ter sido contrariado. Joe é familiar para nós por retratar experiência da vida real, mas ele também é familiar por causa do que nos foi dito toda a vida sobre “ser romântico”, na vida real ou mesmo em filmes e livros de romances. Joe parece um cavaleiro de armadura brilhante, ele tem bom gosto literário, ele evita a mídia social e a internet, despreza comportamentos fúteis e não autênticos das socialites de classe alta com as quais Beck se relaciona. Joe projeta a persona do bom moço, do anti machista exibicionista, dos Bad Boys.

Muitos dos comportamentos apresentados por Joe na tentativa de isolar e controlar Beck – se escondendo em seu chuveiro, salvando-a de um trem em alta velocidade, seguindo-a em um passeio em família e até mesmo observando-a de sua janela – poderiam facilmente ser confundidos com cenas de comédias românticas, em vez de um thriller de suspense.

Talvez por causa do quão familiar os comportamentos de Joe são para nós, a reação a série “você” tem provocado os telespectadores, que se sentem compelidos a defende-lo, romantizando-o e, talvez o mais preocupante, vendo-o como vítima. Alguns, mergulhados nesta identificação, consideram todo o seu “mau comportamento” o resultado de quão desagradável e indigna de seu amor era o caráter de Beck.

Até recentemente, nós romantizamos e idolatramos o personagem masculino que tenta convencer a garota dos seus sonhos que ele é o cara certo para ela, e isso nos leva a um mundo obscuro onde somos incapazes de separar ideias arcaicas de romance e cavalheirismo a partir da realidade de perseguição, chantagem emocional e abuso psicológico. Ultimamente, porém, começamos a remover o verniz de cavalheirismo e romance do abuso e da misoginia. Nenhuma dessas coisas pode ser nem de longe tão extrema quanto as coisas que Joe faz para que Beck o ame, mas a mentalidade é a mesma: “Deixe-me tentar convence-la de que sou a única pessoa certa para você.” “You” é entretenimento, ficção, mas infelizmente, retrata a realidade de mulheres sendo assassinadas por seus perseguidores, parceiros ou ex. O comportamento do personagem Joe é insidioso, aumenta com o tempo e racionaliza cada novo passo, exatamente como um abusador da vida real pode se comportar.

A série nos convida a entrar em sua mente, mas não para glamourizar seu comportamento ou mesmo para nos tornar simpáticos. Ela faz isso para nos mostrar como é fácil ser atraído pelo comportamento tóxico dos agressores. Porém, também podemos ter um olhar diferente para Beck, que não é totalmente ingênua em toda a trama, ela também tem um jogo para jogar, e parte do suspense aqui é quem vai acabar superando quem, quem realmente vence no final. Quem exatamente detém o poder em “you”.

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